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"Toda sorte de presente..."


Foto: Emiliano Arano

Há um itã que narra como Iemanjá, fugindo de Okerê, se transformou em um rio caudaloso para poder chegar ao oceano e encontrar sua mãe Olokum. Ainda neste relato da cultura iorubá, um frasco com uma porção mágica foi ofertado a Iemanjá pela sua própria mãe para que, em casos de precisão, ela o quebrasse. Na fuga, ela tropeça e acabar por partir este frasco, que se transforma em rio e, consequentemente, ela se transforma em rio, para seguir ao encontro e aconchego de Olokum.

Claro que as coisas não foram tão fáceis, mas pelo dia que é hoje, esse itã veio forte, tumultuado, intenso, como o rio-Iemanjá.

Tenho pensado e desejado muito esse meu encontro comigo e com esses oceanos vastos e calorosos. O mar sempre foi o meu lugar de recarga, minha inspiração e o recanto de minhas melhores pérolas - aquelas raras e únicas que entregamos a quem merece mesmo, seja uma palavra de conforto ou uma visão mais nítida dos caminhos para desaguar.

De um jeito ou de outro, eu querendo ou não, meu frasco quebra, rompe, se parte e eu escorro, rápida, densa, impulsiva, direto para o caldo quente de minha mãe.

Salgo as feridas, ela me lambe insistentemente - pés, cabeça, corpo -, aqueço o que em mim era inverno, liberto os monstros que insistem em me assombrar, destravo o que me paralisa. Ela, serena mas nunca calma, repõe meus sais, minhas vitaminas, meus eus... que assim como ela, tem tantos nomes, tantas lágrimas e tantos quereres.

Quanta poesia há em quebrar para juntar né?! Não consigo mais contar quantas vezes quebrei, nem quantos frascos cheio de porções mágicas de minha mãe derrubei (sem querer ou não!). Mas, a potência do encontro sempre me torna maior, mais ampla, mais vasta, mais aquosa, mais doce-salgada, mais eu e também mais ela ou parte dela. Cada retorno, me transformo na certezas da imensidão que me compõe, no eterno lugar que tenho para me abrigar e, principalmente, de nunca esquecer "Toda sorte de presente / Pra ela se enfeitar".


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