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Não tem parágrafo (ou Insônia)


Estou depressiva, ansiosa, não durmo e nem como bem há 5 dias. Na verdade fazem sete meses que estou flutuando em assuntos que me machucaram e tenho pensado em como sair do fundo do poço se não trouxe corda e não tenho habilidade física para escalada. Estou com muito medo de não realizar nada além dos acasos realizados até aqui, mesmo sabendo que nem tudo foi ao acaso, mesmo reconhecendo que existe destino, e que existe o caminho que eu fui traçando. Sempre fui muito elogiada por conseguir agir, ou reagir, diante do caos que se apresentou, sempre que ele chegava. Mas eu não estava feliz, não fiz nenhuma das ações firmes e equilibradas diante do caos usando uma dose minha de felicidade. Eu menti. Para mim mesma durante todos esses anos, durante 28 anos. Eu não tenho 28, mas comecei a mentir com 6, e é fácil de fazer essa conta, mesmo eu sendo uma mulher de humanas. Contas de matemática me assustam um pouco, mas eu finjo que não. Números me assustam, medidas me assustam, quilometragens também me apavoram. Porque me sinto distante e incapaz de chegar lá, sempre. Mas uma verdade existe, “o meu coração é a morada da minha consciência”. O que significa dizer que eu sou mesmo humana. Muitas vezes tive dúvidas, muitas vezes acreditei que eu mesma não existia. Agora nós sabemos que eu existo, resisto, (re)insisto e estou exausta, destruída, quebrada demais. Neste instante, nada faz nenhum sentido, e eu sei que o tal sentido está aqui em algum lugar, mas não enxergo, estou cega, esqueci como olhar as coisas. Mas estou ouvindo e sentindo todas as curvas dos móveis do ambiente que me cerca, porque sei andar no escuro. Um homem que amei me ensinou que os negros tem visão noturna. Mas o amor não tem visão nenhuma. Será por isso então que negros não combinam com amor? Quando mais negro, menos amor? Quantos tipos de amor temos por ai? E quantos tons de negro? E por incrível que pareça, eu não estou falando daquele tipo de amor. Aquela todos já descobriram que não existe. Só existem os outros, os que não conhecemos, porque não acessamos e eles não nos alcançam. Mesmo que a gente corra muito, muitas distâncias, as distâncias e os quilômetros que não sei medir, que não sei contar. Eu sou de humanas e eu sou humana, e tenho muitas humanidades, humanidade demais, mas a humanidade é infinita, e mesmo assim me pedem para medir, mensurar, classificar e precificar a minha inteireza, o meu coração. Eu não bebo água há 5 dias direito, meus lábios, carnudos, salientes, minha boca com desenho de coração, a parte que mais gosto do meu rosto, meus lábios racharam, como se eu estivesse no frio do Alaska. Mas não sei o quanto o Alaska é frio, nunca viajei até lá e não tenho roupa para suportar o frio, nem de lá e nem daqui. Aqui está muito frio e eu não consigo mais aguentar tanta frieza. Calça o pé menina! A televisão está ligada só para me fazer companhia, me acompanhar na insônia, no medo, no pânico, na crise. E toda vez que estou em crise descubro que sou escritora, mas tenho amnésia pós traumática, porque quando a crise passa eu esqueço completamente que fui capaz de fazer poema, poesia, prosa, verso, e colocar em palavras meus sentimentos. Mas sempre estou curada e seguro mais um tempo, incansável, implacável, seguindo depois de dizer que não conseguia mais. Escrever me dá aquela carga de bateria extra, que serve apenas para chamar o motorista por aplicativo. As vezes eu penso, sou escritora, vou lançar um livro, vou publicar, vai vender, eu vou poder parar de sofrer por nunca ter tido coragem de tentar, dizer aos outros, provar que tenho capacidade para isso, apesar de ninguém se importar.

Narração e Interpretação: Lugana Olaiá

Gravação e Edição: Alforria


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