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Mapa de fuga trançada na cabeça


Fotografia: JD 'Okhai Ojeikere

Algo tem me provocado muito na última semana. Coisa que não é nenhuma novidade, mas que sempre volta retumbante para assombrar os sonhadores. E, desta vez, voltou não por uma ação, mas por um choro melodioso e descompassado de duas mulheres negras, ambas participaram de um reality show e apresentaram suas imagens para o mundo.


A primeira, Rízia Cerqueira, foi atacada e teve um trabalho importante cancelado, por conta de uma fala sobre amamentação, a partir da sua experiência como lactante. A segunda, Domitila Barros, escancara em rede nacional como está cansada de só perder: aliados, provas, batalhas. Diz que por ter sempre vivido com o pouco, gostaria de experimentar o ganho, e ela nem estava falando de vencer o programa, era só sobre uma dinâmica do próprio jogo.


Essas duas situações me acertaram quando, sem aviso, questionei se não era a hora de desistir daquilo que mais acreditei e sonhei nos últimos anos. Justamente porque a frase, que ecoava dentro de mim, transpassou e reverberou em outros corpos.


Eu estou cansada de perder!


Nessa busca, em construir mundos plenos, com conteúdo de qualidade, com aprofundamento de pesquisa, com multidisciplinaridades, um ponto fora do que é entendido pelo outro possível para nós, nos torna réus de nossos próprios desejos. Apontam o que não devíamos ter feito, massacram nosso intelecto, debocham daquilo que fomos construindo geração a geração com sangue, suor e (quando dava) lágrimas.


Eu, realmente, estou cansada de perder. E, desta vez, não é porque não tô vendo os ganhos. Eu vejo. Sei exatamente, os passos vitoriosos que dei para chegar aqui, para levar para quem acredita no poder da mudança um pouco mais de esperança em nós. Sei quantos obstáculos nossos ancestrais precisaram pular, saltar, quebrar. O tanto de espinhos que cravaram em nossas peles; o quanto de dor fomos submetidos; o quanto de escárnio, descaso e dedos apontados em nossas caras.


Ainda assim, parafraseando Maya Angelou,: Nós nos levantamos! Mas, resiliência nunca foi dissolução para cansaço. Resiliência é uma tática de guerra. É festa e samba de roda, mesmo a carne sangrando, mesmo os dedos duros de colher, mesmo famílias separadas, tronos destruídos. Resiliência é mapa de fuga trançada na cabeça, e quadril que balança ao som do tambor. É óleo de palma que faz reluzir beleza sem igual na pele, nos cabelos, na comida, nas entranhas e no espiritual. Resiliência é ainda existir, diverso, potente, com todas as incertezas, incongruências, dissabores e desafios.


Mas, nada disso nos isenta de estarmos cansados de perder.

E ainda assim, não pode errar, nem vacilar, nem se perder, nem ser contraditório, nem estar num reality, nem ser influencer, miss, escritora, cientista, intelectual, artista…

Talvez, o que querem mesmo é que não sejamos nada.

Só cuidadora. Só chacota. Só saco de pancada. Só… ‘E ainda assim, eu me levanto!’

Seja eu, seja elas e sejam nós!

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