Cheguei à teoria porque estava sofrendo, a dor dentro de mim era tão intensa que eu não poderia continuar a viver. Cheguei à teoria desesperada, querendo compreender, querendo entender o que estava acontecendo ao meu redor. Acima de tudo, cheguei à teoria porque queria fazer a dor ir embora. Eu vi, na teoria, um local para a cura. (hooks, 2013, p.59).
Em 21 de Outubro o meu Projeto (concretude) favorito completa sete anos. Sim, eu disse sete anos! Sete! Sete anos não são sete dias. Nesse tempo tão significativo, o Lendo Mulheres Negras mudou a minha vida.
A epígrafe escolhida para abrir esse texto-baú traduz com maestria o meu processo com este Projeto. Cheguei ao Lendo Mulheres Negras ferida e desacreditada. A Academia e algumas experiências parecidas tinham me arrancado o crédito nas pessoas e nas ideias. Encontrava-me profundamente desanimada e desiludida com agremiações e ajuntamentos parecidos com a ideia que se descortinava para mim.
A primeira coisa que me fisgou foi a Logomarca, uma arte linda que para mim sempre remeteu à expansão da consciência através da leitura (volta e meia encontramos apropriação sem o devido crédito – o mesmo ocorrendo com o nome e é cada susto que a gente toma!). Na sequência da sedução, veio a chamada/provocação: Quantas mulheres negras você já leu? Estava muito curiosa para saber quem estava por trás da organização de algo tão diferente. Naquele tempo não existiam Clubes de Leitura destinados à autoria de mulher preta. O Lendo Mulheres Negras inaugurou essa modalidade aqui em Salva-dor. O Lendo inaugurou muitas coisas por aqui.
Um trio de mestrandas: Adriele Regine, Evelyn Sacramento e Paula Gabriela, insatisfeitas com o Programa de Pós-Graduação que não investia na indicação de leituras pretas, além de muito desejosas de respirar melhor e mais leve, elaboraram, então, esse formato inicial, um clube de leitura.
A ideia inicial era essa: selecionar autoras e obras, convidá-las quando fosse possível para um encontro presencial e discutir as impressões de leitura da obra escolhida. Mais adiante uma delas precisou voltar para Brasília, Paula Gabriela, mas a dupla Adriele Regine e Evelyn Sacramento continuaram realizando os desejos e sonhos postos no papel. Paula, por sua vez, chegou até a fazer algumas edições em Brasília, mas o trabalho e o estudo acabaram pesando um pouco na continuidade da proposta.
De lá para cá tanta coisa aconteceu e tantos formatos foram experienciados por elas/nós, sempre com muita responsabilidade e respeito para com as nossas seguidoras. Eu chego bem depois e, por teimosia (rs), me torno uma colaborada. Sondando, atenta, xeretando, desejosa de entender o movimento e as intenções do trio mencionado. Como só sei ser inteira, passei a ser assídua nos encontros mensais e cada vez mais sugerindo nomes e obras (porque sou isso, né?). A ousadia por parte delas não foi dada logo de cara. Levei tempo e apurei a minha paciência para conquistar a confiança e o respeito delas.
Acolhimento, dengo, colo, escuta atenta e sensível nunca faltaram. Muitas vezes o texto literário escolhido para discussão era tão somente pretexto para exercitarmos: i) o Erguer a voz (hooks, 2019); ii) o Transformar o silêncio em linguagem e em ação (Lorde, 2019); iii) fazer da poesia uma destilação da experiência (Lorde, 2019) e fazer do Auditório Milton Santos, no CEAO, uma cabaça ventre, um útero quente e úmido e, sobretudo, um lugar seguro (Collins, 2019), no qual nossos desejos, anseios e expectativas mais íntimos eram compartilhados.
Nestes sete anos seguimos nossos percursos existenciais e acadêmicos. O trio concluiu o mestrado, Evelyn encontra-se em processo de doutoramento no mesmo Programa, Adriele continua inventando e investindo em Arte (suas participações mais recentes foram como Assistente de Criação e Produção Executiva dos 60 anos da Mônica [Maurício de Souza] e o projeto "O Uniforme que Nunca Existiu" – campanha da Centauro homenageando a atleta Aída) e eu concluí o doutorado em Literatura e Cultura há pouco menos de dois meses.
Durante todo esse tempo sempre contamos com a presença e a força de Ana Paula Menezes (produtora e gerente) que se responsabilizou e assinou vários projetos (Deixe ela que ela é da Construção Civil) e Ana do Carmo, esta última uma parceira antiga que vem acumulando prêmios na área que escolheu para atuar – o cinema preto – com a Saturema Filmes. Sem essa dupla para administrar e registrar, respectivamente, nossas ideias e andanças tudo seria mais difícil.
Nestes sete anos de existência, O Lendo Mulheres Negras se tornou objeto de estudo de algumas sistah (Kilomba, 2019), fez podcast, seminários, oficinas, grupos de trabalho, editou e publicou algumas das nossas seguidoras, publicou ebooks e Adriele, Evelyn e eu publicamos livros: o de Evelyn inaugura a editora Lendo Mulheres Negras, e eu me torno responsável pelo conselho editorial. De mediadoras de leitura a autoras. A ideia será sempre essa, a aposta e o investimento em autoria de mulher preta e, assim sendo, não poderíamos ficar de fora do processo, não é mesmo?
Desde então, o Lendo Mulheres Negras fez escola e me formou como curadora e mulher das Letras. Cada vez mais empenhadas na produção local, outro pioneirismo do Projeto, nunca deixou de ser um clube de leitura, atividade mestra do projeto que tanta alegria e satisfação tem ofertado a todas nós. Nem uma pandemia foi capaz de nos parar.
Engana-se quem pensa que com a diminuição da participação nas redes sociais nós desistimos. Foi preciso, sim, um tempo para balanço, avaliação e retomada. Estamos voltando amadurecidas e muito mais dispostas e confiantes nos propósitos e metas que são sempre revistas e ampliadas, tendo como objetivo final oferecer sempre o melhor para todas aquelas que curtem e seguem o projeto.
Temos site, lojinha, blog e muito breve compartilharemos mais novidades e atividades.
Por ora, é agradecer a todas que sempre acreditaram no Projeto e fizeram dele concretude. E que este 7 se multiplique por 7 e por 7 e por 7 e tenda ao infinito. Vida longa ao Projeto que nos (re)ergue todos os dias.
Que a ancestralidade continue abençoando nossos orís, permitindo-nos compartilhar achados e (des)cobertas sobre autoria de mulher preta em permanente diáspora, e que possamos sempre ofertar fartura e muito amor, elemento este que nunca nos faltou com excelência e maestria.
Eu sou mais feliz e realizada com o Lendo Mulheres Negras na minha caminhada. Sei que não estou só. Há muito que passamos dos 60K.
Agradecemos a cada uma que acreditou e investiu seu tempo em nossas ações. Estamos voltando, após o recesso necessário. Felizes com esta data tão significativa. E viva o Lendo Mulheres Negras, nas figuras de Adriele Regine e Evelyn Sacramento. Vida longa!
Àṣẹ!
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